Resumo: A partir de dispositivos teóricos e analíticos da Análise de Discurso, analisamos como se realizam os processos de autorrepresentação política a partir de discursos de trabalhadoras sexuais nos últimos dez anos e descrevemos as condições históricas de existência e de emergência dos discursos representacionais de trabalhadores sexuais na mídia e na política. Fizemos isso com o objetivo de compreender quais foram as rupturas e deslocamentos em relação aos imaginários consolidados das prostitutas pautados no binômio ingênua prostituída pela miséria social ou femme fatale que seduz e corrompe os homens. Nosso corpus é constituído de dois livros: “La Revolución de las Trabajadoras Sexuales: 20 años de organización de la RedTraSex de Latinoamérica y el Caribe” publicado pela RedTraSex em 2017 e “United under a Red Umbrella: Sex work around the world” publicado pela Red Umbrella Fund e pela P&G292 em 2018. Mobilizamos noções como memória discursiva, acontecimento discursivo, lugar de enunciação e porta-voz. Considerando o trabalho sexual como trabalho e o enfocando sob o prisma da resistência, mostramos como a partir de porta-vozes institucionais, de relatos pessoais e de fotografias de eventos emblemáticos se constroem monumentos textuais, em uma narratividade que produz efeitos de reconhecimento. Ao rememorar uma história conjunta, comemorar datas importantes e homenagear lideranças da categoria, cada um dos livros, de diferentes modos, apresenta um importante trabalho com a memória. Esse trabalho com a memória passa por processos discursivos como citação e recitação, retomada de marcos fundadores a partir de lembranças individuais e da conexão de integrantes de cada uma das redes com outras entidades a nível transnacional por meio dos gestos performáticos de entrevistar, escrever, publicar, fazer um dizer circular. Essa enunciação constrói uma heterogeneização dos trabalhadores sexuais em termos etários, geográficos, de gênero. Portanto, pudemos concluir que em ambos os casos, as imagens atribuíveis às trabalhadoras sexuais se expandiram e as diferentes prostituições passam necessariamente pela noção de trabalho. Além disso, os dois materiais produzem fissuras nos silenciamentos impostos às trabalhadoras sexuais, com a ampliação na circulação de seus dizeres e nos efeitos de legitimidade que eles produzem. Por fim, eles produzem efeitos de identificação e colocam em cena processos de reconhecimento entre iguais (“x nos representa”) e entre diferentes (“uma como nós”). As contribuições que essa dissertação traz para o campo de estudo tratam especificamente dos processos de subjetivação a partir da tomada da palavra por trabalhadoras sexuais, dos modos de enunciação coletiva praticados por redes de representação da categoria e de algumas das resistências putafeministas praticadas nos últimos anos.

Palavras-chave: Análise do discurso; Feminismo; Movimentos sociais; Prostituição; Trabalho sexual