Resumo: A leitura de obras literárias possibilita ampliar os diversos diálogos entre literatura, história e sociedade, abrindo espaço para a discussão dos problemas presentes nas variadas formas de organização social e nos movimentos da história. Em alguns casos, é possível identificar vestígios históricos que emergem e ressurgem por meio de rastros, marcas, figuras ancestrais, personagens falecidos e personagens ausentes, contribuindo assim para uma ambientação histórico-fantasmagórica. Dessa maneira, emerge um modelo narrativo que busca abordar a construção de experiências fantasmáticas relacionadas aos traumas e à extrema violência da história. Dentro deste contexto, esta tese tem como objetivo a análise comparativa de três obras brasileiras contemporâneas: Lavoura arcaica (1975), de Raduan Nassar; Diário da queda (2011), de Michel Laub; e A resistência (2015), de Julián Fuks. Embora separadas no tempo por mais de três décadas em relação à novela de Nassar, Diário da queda e A resistência dialogam com Lavoura arcaica no que tange aos grandes eventos traumáticos do século XX, que problematizam aspectos de uma dívida ontológica milenar por meio de seus protagonistas e a partir de um presente preenchido por fantasmagorias históricas e familiares. Com efeito, articularemos a dimensão histórico-fantasmagórica dessas três obras às catástrofes e aos grandes acontecimentos do século XX, tais como o Holocausto, as ditaduras militares da América Latina, as migrações e os deslocamentos populacionais em massa. Elegemos como suporte teórico as reflexões de Jacques Derrida em torno da espectralidade e da produção de fantasmagorias na modernidade tardia, sobretudo em Espectros de Marx (1994), livro no qual o filósofo interpreta o passado sob o crivo da dívida e da herança, dois temas que se apresentam como forças motrizes em nossa pesquisa. Adicionalmente, exploraremos os vestígios desse período de violência política na história, que embora não sejam palpáveis no presente, deixam ressonâncias espectrais de traços autoritários e não democráticos que permeiam nossa época atual. Nossas reflexões também se beneficiarão das interações dialógicas entre representação literária e as esferas colaborativas da crítica social e da filosofia, que desempenham um papel significativo nas políticas de reparação histórica através da reinterpretação do passado pela ficção. Espera-se, assim, contribuir para a leitura crítica dessas obras que, nesta tese, apontam para dois problemas fundamentais ainda não devidamente investigados no âmbito da produção literária brasileira contemporânea: o processo de resgate das raízes histórico-familiares e a problematização dos eventos traumáticos do passado sob um prisma fantasmagórico. Nosso objetivo é, portanto, investigar como essas questões ecoam no presente na forma de uma espectralidade.

Palavras-chave: Literatura brasileira contemporânea; Espectros; História; Violência; Memória