Resumo

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"Bota Fogo nesses vagabundos" : xenofobia e resistência em narrativas online de/sobre migrantes de crise venezuelanos(as)

Izabel da Silva

Orientador(a): Ana Cecília Cossi Bizon

Doutorado em Linguística Aplicada - 2023

Nro. chamada: TESE DIGITAL - Si38b


Resumo:
Os processos de globalização têm transformado as relações entre fluxos de pessoas, tecnologias, informações e ideologias de escala, velocidade, paisagens e intensidade dos deslocamentos populacionais (APPADURAI, 1996). Nesse sentido, o avanço das tecnologias de informação vem proporcionando também novas formas de comunicação entre migrantes e refugiados(as) no processo de migrar. As plataformas de mídias sociais, especialmente, Facebook, Twitter, Youtube e Instagram, passaram a ter um papel central na mobilidade de migrantes, tornando-se espaços de interação, mas também de solidariedade e de manifestações democráticas (COGO, 2012). Por outro lado, em um cenário de reconfiguração dos fluxos migratórios para o eixo Sul-Sul, marcado pelo crescimento da extrema-direita no mundo (BAENINGER, 2018; SANQUE, 2020), esses sites de mídias sociais também têm funcionado como agentes desterritorializadores (HAESBAERT, 2004) ao facilitarem aos usuários a disseminação de fake news e o compartilhamento de discursos de ódio e ao mobilizarem práticas xenofóbicas contra migrantes de crise e refugiados(as). Com a crise na Venezuela, desde 2015, milhares de venezuelanos(as) têm deixado o país e solicitado entrada e/ou refúgio no Brasil, principalmente pela fronteira de Pacaraima, em Roraima (ACNUR, 2018). Com poucos recursos, os(as) migrantes venezuelanos(as) passaram a se alojar em abrigos e instalações com pouca infraestrutura nas ruas da cidade, tornando-se constantemente alvos de discursos de ódio e de ataques xenofóbicos. Nesta pesquisa, analiso especificamente as narrativas online do ataque xenofóbico, nomeado pela mídia de “Bota fogo!”, ocorrido no dia 18 de agosto de 2018, dois meses antes das eleições presidenciais no Brasil, quando um grupo de brasileiros(as) ateou fogo nos acampamentos dos migrantes e expulsou cerca de 1.200 venezuelanos(as) da cidade de Pacaraima/RR. Alinhada à perspectiva Indisciplinar, Transgressiva e Poscolonial da Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006; JUNG; LUNARDELLI; PIRES-SANTOS, 2015; MOITA LOPES; FABRÍCIO, 2018; CAVALCANTI, 2019), esta tese se pauta nos construtos teórico-analíticos dos estudos de narrativas (MOTTA, 2013; BASTOS; BIAR, 2015; DE FINA, 2016, 2020) e dos posicionamentos interacionais (LANGENHOVE; HARRÉ, 1999) em contextos online, na noção de entextualização (BAUMAN; BRIGGS, 2006), valendo-se, também, da análise de pistas de indexicalização (WORTHAM, 2001; BIZON, 2013). O objetivo desta pesquisa foi compreender como migrantes de crise venezuelanos(as) são narrados(as) e como se narram em algumas plataformas de interação digital, considerando o impacto dessas narrativas para seus processos de des(re)territorialização no Brasil. As seguintes perguntas de pesquisa orientaram o trabalho: (i) Como migrantes de crise venezuelanos(as) são narrados(as) em práticas discursivas e narrativas jornalísticas no contexto do ataque “Bota Fogo!” em sites de mídias sociais? e (ii) Como esses migrantes se narram em diferentes plataformas digitais após o referido evento? Com base em uma perspectiva epistemológica qualitativa/interpretativista e nos pressupostos metodológicos da Etnografia Digital, o corpus analisado recobriu as narrativas online do evento a partir de três enquadramentos: (i) a trajetória textual do ataque xenofóbico nas plataformas digitais do Portal G1; (ii) as narrativas online do evento em plataformas digitais estrangeiras e (iii) entextualizações do ataque “Bota Fogo!”. A análise das trajetórias textuais e das entextualizações sinaliza que, nos espaços digitais como as plataformas de mídias sociais, narrativas sobre os(as) migrantes de crise e por esses migrantes emergem, consolidando algumas práticas discursivas já normalizadas e geradoras de des(re)territorializações, que fomentam posicionamentos xenofóbicos e de exclusão. Ao mesmo tempo, mesmo que em menor proporção, outras narrativas surgem como atos de resistência a esses mesmos posicionamentos interacionais. Os resultados da tese também indicaram o perigo da disseminação de boatos e fake news no contexto das Eleições de 2018, com a ascensão do bolsonarismo no Brasil. Combinado a isso e a um cenário que já era de precariedade com o aumento do fluxo migratório na fronteira, o compartilhamento de narrativas online com informação falsa acabou influenciando de forma tendenciosa os posicionamentos de moradores locais e potencializando reações xenofóbicas que extrapolaram a materialidade dos textos, culminando em ataques a migrantes e refugiados(as) venezuelanos(as) na fronteira de Pacaraima/RR.

Palavras-chave: Narrativas digitais; Xenofobia; Resistência; Violência contra imigrantes; Venezuela

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