Resumo: O arquivamento tradicional da história, muitas vezes, oblitera as experiências de grupos considerados subalternos. Resgatar a memória das mulheres não é apenas uma demanda social, possibilita também descortinar suas vozes e subjetividades que foram por muito tempo silenciadas. Um processo que revela a necessidade de corporificar seus discursos e faz da literatura cripta de papel (MUKASONGA, 2018), ferramenta que mobiliza transformações e rupturas de paradigmas excludentes. Esta tese procura investigar de que maneira a memória é atravessada por questões de gênero em três romances contemporâneos escritos por mulheres, a saber: Sinfonia em Branco, de Adriana Lisboa; Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo; e Quarenta Dias, de Maria Valéria Rezende. Cumpre também verificar como Clarice e Maria Inês, Ponciá e, por fim, Alice ocupam espaços públicos e privados enquanto lugares em que essas memórias são acessadas, celebradas e reivindicadas. As mulheres aparecem nos romances como guardiãs dos relatos, fiadoras de experiências coletivas e operam, por meio dos mecanismos literários, revoluções, atos de subversão que se dão no cotidiano, aparentemente pequenos, mas que mobilizam transformações e denotam potência. Os percursos realizados pelas protagonistas são diversos e plurais: Clarice e Maria Inês tentam sobreviver apesar da experiência traumática brutalizante; Ponciá cliva a importância da ancestralidade negra em diáspora e do esquecimento para existir e permanecer apesar das violências sofridas; e Alice escreve incansavelmente suas memórias a respeito da quarentena vivida, para que as lembranças não sejam apagadas. As narrativas deflagram entre outras questões: o questionamento do lugar das protagonistas no mundo; a problematização das múltiplas violências que acometem o feminino; a existência de mulheres como um ato de resistência por si só; a memória como exaltação das subjetividades contra o silenciamento e o esquecimento; a necessidade de sobrevivência e permanência; a ocupação espacial impregnada pela elaboração das lembranças e do passado; o corpo enquanto espaço memorialístico capaz de modular discursos. As análises procuram delinear um mosaico de vozes que desconstroem a representação feminina tradicional e problematizam questões como estupro; misoginia; classismo, racismo, etarismo e múltiplas violências sofridas pelo feminino em nossa sociedade. As chaves- teóricas pelas quais se dará o percurso investigativo são os estudos de gênero e decoloniais; os estudos da memória, as teorias a respeito do espaço; e a teoria crítica feminista aplicada à literatura. Os principais autores cujo aporte teórico serão utilizados são: a) referentes aos estudos de gênero: bell hooks (2018); Elisabeth Grosz (2000); Guacira Louro (2019; 2014); Glória Anzaldúa (2021); Heleieth Safiotti (2015); María Reimóndez (2014); Sara Ahmed (2015); Simone de Beauvoir (2009; 2018); Sueli Carneiro (2019 a/b); b) aos estudos decoloniais: Achille Mbembe (2016); bell hooks (2019; 2020); Leda Martins (2003); Lélia Gonzalez (2016, 2020); Mirian Santos (2019); Paul Gilroy (2011); Silvio de Almeida (2019); c) aos estudos da memória: Aleida Assmann; Bas’llele Malomalo (2010, 2019); Beatriz Sarlo (2007); Eclea Bosi (1994); Joël Candau (2016); Leda Martins (2021); Maurice Halbwachs (2003); Mogobe Ramose (2002, 2010); Paul Ricoeur (2007); Ochy Curiel (2020); Yuderkys Miñoso (2020); d) aos estudos do espaço: Beatriz Sarlo (2007); Cristine Ribeiro (2019); Doreen Massey (1994; 2013); Elisabeth Grosz (2011); Kathryn Woodward (2009); Michel de Certeau (2014); Roberto DaMata (1997); Sandra Regina Goulart de Almeida (2015a).

Palavras-chave: Literatura brasileira contemporânea; Decolonização; Estudos de gênero; Memória na literatura; Espaço na literatura