Resumo

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Morus, Campanella, Doni : utopias sem trabalho

Juliana Zanetti de Paiva

Orientador(a): Carlos Eduardo Ornelas Berriel

Doutorado em Teoria e História Literária - 2020

Nro. chamada: TESE DIGITAL - P166m


Resumo:
Nas utopias renascentistas escritas por Morus - Utopia, Campanella – A Cidade do Sol e Anton Francesco Doni – Mundo Sábio e Louco, há a tópica comum da condenação dos ociosos e da dignificação da atividade produtiva do homem. Basta isso para que o leitor contemporâneo queira traçar um paralelo entre tal ideia e a dignificação do trabalho assente na forma de vida moderna. Uma dignificação que não é questionada em seu conteúdo mesmo, mas apenas em seu aspecto de exploração do trabalho dignificado que, em si, seria digno - o indigno seria a exploração do trabalho e do trabalhador pelas classes superiores, algo que não aconteceria nas utopias citadas. Ou seja, essa forma de pensar não leva em conta que os negócios (negação do ócio) nessas utopias não estão determinados unilateralmente pela produção de mercadorias como na modernidade. N’A Cidade do Sol, após as guerras, “seguindo-se a distribuição dos presentes e das honras aos soldados que mais se distinguiram”, estes, por “muitos dias, são dispensados do serviço”. (CAMPANELLA, 1983) Mas os habitantes solares, “não gostando do ócio, empregam essas folgas em socorrer os amigos.” (CAMPANELLA, 1983). Já na Utopia de Morus, “seria difícil encontrar ocupação mais útil e prazerosa a todos do que o cultivo dos jardins da cidade”. Alguém com uma visão moderna poderia definir esse socorro como trabalho, ou esse cultivo do jardim como inutilidade produtiva, já que a negação do ócio na modernidade capitalista é sempre produção mercantil – o que não parece ser o caso em modos de vida anteriores, incluindo a forma de vida imaginária das utopias. Nesse raciocínio, portanto, fica por problematizar que aquilo que a mentalidade moderna costuma considerar a conditio humana e chamar de trabalho não tem relação de conteúdo com o que, no gênero literário utópico renascentista, aparece traduzido como trabalho. Na gênese da utopia como gênero literário está presente a crença na perfectibilidade social. Nessa organização social nova e desenhada como perfeita há um aspecto central que na interpretação das utopias desses autores ficou enevoado numa imbricação conceitual em que um conceito acabou passando feito um passageiro clandestino, por ser uma mera palavra que viajou por toda a história humana até hoje, e fazendo uma parada nas utopias renascentistas: o de trabalho. Este estudo objetiva refletir sobre o fato de que as atividades humanas nas utopias renascentistas dos três autores em questão não se coadunam com o conceito moderno de trabalho. Isto é, em vez de entendermos o trabalho como um ponto comum entre essas utopias e a modernidade, partiremos da hipótese de que as atividades produtivas desenvolvidas nas utopias em estudo, por mais duras que sejam, não têm relação com as atividades modernas chamadas de trabalho. Uma tal distinção crítica do trabalho só é possível se não encararmos o trabalho como uma constante transhistórica, uma condição antropológica do homem, mas antes a forma abstrata que tomou o conjunto das atividades humanas concretas num determinado momento histórico – a modernidade capitalista. O desenvolvimento do nosso trabalho passa primeiramente pela análise de como os autores dessas utopias renascentistas imaginaram as atividades humanas em suas comunidades inventadas. Essa análise comparativa, além de atentar para a linguagem peculiar usada pelos autores, o tom satírico, por exemplo, leva em conta o contexto social de quando tais obras foram lançadas. Ou seja, em vez de entender essas atividades como essencialmente iguais a quaisquer atividades humanas na história, procuramos distinguir o que há de específico na forma como os autores desenharam literariamente tais atividades dentro do contexto histórico do Renascimento. Essa primeira problematização enseja também uma análise de questões relacionadas à tradução, ou seja, ao modo como as palavras usadas para designar as atividades produtivas nas três utopias são traduzidas principalmente em português, italiano e francês. Ora, ao que parece, vários termos aparecem no original das três utopias para designar atividades humanas, enquanto que nas traduções tende-se a optar pelo uso do vocábulo-conceito trabalho. Ao nosso ver, traduzir simplesmente por trabalho essas atividades produtivas pode significar uma retroprojeção de um conceito moderno para formas de vida social anteriores, o que coloca um problema que soma às questões linguísticas e de tradução uma questão conceitual de base, fundamental para a compreensão desses textos literários. Palavras-chave: utopias, modernidade, atividade produtiva, trabalho.

Palavras-chave: Utopias; Modernidade; Atividade produtiva; Trabalho

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