Resumo: Este trabalho apresenta uma interpretação do relato testemunhal de Otto Dov Kulka, Paisagens da Metrópole da Morte: reflexões sobre a memória e a imaginação, no intuito de encarar diversas aporias e tensões do testemunho como experiência-limite. Também possibilita pensar na dimensão do trauma histórico e, de certa forma, questionar o estatuto do real e de suas representações ineludíveis dos tremores do trauma, do que flui desses lugares de memória difícil, das vozes, das escritas, das imagens e dos passos errantes que se aventuram solicitados irremediavelmente, espectralizados pelas ruínas. Dessa forma, o percurso da pesquisa expõe uma experiência no abissal processo de escrita, apoiando-se em elementos que comparecem na interpretação, como a tentativa de elaboração do luto pela morte da mãe, a poética das ruínas, a condição da infância no campo de concentração, a inquietude das imagens, o diálogo com a historiografia, com a psicanálise e com a memória. Esses elementos são inscritos na espectralidade errante do testemunho poético, literário e imagístico, pelo trabalho com as imagens e as palavras vindas da noite incisada no corpo das lembranças da infância que se relacionam na afinidade e no estranhamento com o testemunho de outros sobreviventes marcados pela lei da Metrópole da Morte nas suas tentativas de portar o mundo que se foi. Assim, a ética da memória alenta o testemunho de Kulka e abre a história para a sensibilidade e a empatia diante das crianças vulneradas da guerra. Nesse sentido, a exposição da pele ferida do outro e o rastro da experiência vivida nos campos interpelam-nos para manter a abertura com o imprevisível porvir e para inventar formas de resistência e de intervenção criativa.
Palavras-chave: Kulka, Otto Dov, 1933-. Paisagens da metrópole da morte : reflexões sobre a memória e a imaginação; Testemunho; Memória; Luto