Resumo: Este trabalho tem por objetivo propor uma leitura do livro Berkeley em Bellagio, de João Gilberto Noll, publicado em 2002. Para tanto, acompanha a trajetória do protagonista que, ao contrário do que ocorre em outros textos do autor, é um ser nomeado, portador de uma feição social e, além disso, um escritor prestigiado internacionalmente. A análise parte, então, para as figurações desse escritor em contato com importantes instituições financiadoras norte-americanas as quais o convidam para temporadas nos EUA e na Itália. Mais do que simplesmente representar o escritor em seu meio de atuação, a obra se estrutura a partir de uma dicção irônica e caricatural que termina por inviabilizar qualquer interpretação unívoca dessa relação entre o escritor e os demais atores do meio literário. Daí também a dificuldade de se tratar a questão da autobiografia na narrativa: embora o percurso do personagem se assemelhe às viagens empreendidas por João Gilberto Noll, e não obstante à homonímia, torna-se, pelo modo como tudo é contado, totalmente problemático entender o livro como uma confissão autobiográfica do autor. É por isso que se procura, aqui, identificar o cinismo que permeia a atuação desse homem e que condiciona o discurso narrativo. A seu momento, será dito que o narrador não quer se comprometer com uma ou outra verdade. Mas, se, por um lado, a nomeação do personagem e a atribuição de uma profissão a ele indicam que as questões políticas e contextuais são tratadas, na obra, de forma explícita, por outro, não se oculta aquilo em que o autor parece ser melhor: a evidenciação dos abismos do Ser, o déficit em relação à linguagem, o idealismo em torno de uma comunicação redentora, sem a intervenção dos condicionantes sociais. Dessa maneira, este texto pretende mostrar que, em seu desfecho, o livro aposta em relações afetivas mais pacificadas, menos furiosas se comparadas às dos outros romances de Noll. Desde já, recusa-se a ideia de que essa aposta corresponda a um triunfo do herói ou a uma resposta assertiva aos questionamentos existenciais dispersados durante a narrativa. Ao contrário, o livro acaba por sinalizar que “tudo o que vinga na vida vem em duplo”. Talvez esse seja um posicionamento crítico ainda desejável quando o cinismo advindo de uma vontade de verdade parece contaminar mesmo os discursos mais bem intencionados.
Palavras-chave: Noll, João Gilberto, 1946-. Berkeley em Bellagio - Crítica e interpretação. Cinismo. Ironia. Linguagem. Ficção brasileira.