Resumo

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Caos controlado : a tensão entre controle técnico e liberdade criativa em Mistérios e paixões e Cidade de Deus

José Carlos Felix

Orientador(a): Fabio Akcelrud Durão

Doutorado em Teoria e História Literária - 2013

Nro. chamada: T/UNICAMP - F335c


Resumo:
A indústria cultural, expressão mais sintomática do sistema capitalista, opera em uma lógica que incorpora e harmoniza expressões estéticas antagônicas, emulando uma a tensão dialética análoga às obras de arte. O cinema, dada sua natureza industrial, desponta como uma das esferas da indústria cultural a atingir o mais alto grau de sofisticação e controle técnico, firmando padrões estético-narrativos rígidos seguidos não apenas por filmes convencionalmente chamados de comerciais, mas também por aqueles circunscritos ao circuito alternativo e independente. Assim, considerando o argumento de que filmes produzidos fora do esfera comercial estariam mais propensos a romper e subverter a hegemonia do idioma tecnicamente controlado do cinema padrão, a proposta deste trabalho é examinar os filmes Mistérios e paixões [Naked lunch, David Cronenberg, Canadá, 1991] e Cidade de Deus [Fernando Meirelles, Brasil, 2002], a fim de verificar como se estabelece a tensão entre as convenções do idioma tecnicamente controlado do cinema padrão e os gestos que visam a sua desestabilização. A primeira parte está dividida em dois capítulos correlatos, cujo objetivo é discutir como as convenções estético-narrativas do cinema mainstream de Hollywood sintetizam de maneira sui generis o idioma tecnicamente controlado da indústria cultural. O primeiro capítulo investiga os procedimentos a partir dos quais o conjunto de protocolos visuais do cinema norte-americano (composição de quadro, montagem, sonorização, etc.) estabeleceram um modelo diegético prescritivo de bases rígidas, convertendo-se na norma-padrão para a cultura cinematográfica ao redor do planeta. O segundo capítulo discute a maneira pela qual esse mesmo modelo de cinema, movido por tendências do mercado e objetivando alcançar um status de obra de arte, absorve inovações estéticas advindas justamente de movimentos cinematográficos contrários a sua norma estética sem, contudo, alterar suas bases. A segunda parte está dividida em dois capítulos voltados às interpretações dos filmes. O terceiro capítulo aborda o caráter autoral e transgressor na filmografia de Cronenberg em relação ao cinema padrão a partir da problemática do embate entre controle técnico e espontaneidade na criação artística. A hipótese interpretativa centra-se no argumento de que Mistérios e paixões apropria-se da defesa de Burroughs acerca da intoxicação como um mecanismo de subversão de convenções artísticas para forjar uma estrutura de narrativa fílmica que inverte a oposição entre as categorias de alucinação e sobriedade. Como resultado, a inversão dessas valências converte a alucinação em procedimento narrativo modulado justamente por fórmulas e convenções do cinema padrão de Hollywood. O quarto capítulo investiga como a tensão entre controle técnico e liberdade criativa engendra em Cidade de Deus uma nova forma de realismo fílmico contemporâneo em que estéticas e procedimentos cinematográficos historicamente revolucionários são absorvidos pela maquinaria do cinema dominante. Essa tese é discutida a partir de uma leitura cerrada de algumas cenas do filme que evidenciam a fabricação de uma espontaneidade programada, na qual a cinematografia clássica é utilizada para recompor um imaginário da favela com ecos do sertão do Cinema Novo. A discussão assinala ainda como, em sua estruturação narrativa e estilística, Cidade de Deus acomoda uma representação vanguardista da criminalidade e violência juntamente com uma estética padrão de cinema e televisão, apagando qualquer traço de tensão histórica entre ambas. O resultado das interpretações aponta para o fato de que, nos dois filmes, a força do ímpeto criativo, expresso por meio do acaso, aleatoriedade e improviso são incorporados pelo idioma tecnicamente controlado do cinema, perdendo não apenas seu poder desestabilizador, mas são também reduzidos a dispositivos com função meramente estilística.

Palavras-chave: Cidade de Deus (Filme). Mistérios e paixões (Filme). Cinema - Estética - Técnica. Indústria cultural. Liberdade na arte.

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