Asa da Palavra publica livro sobre o modo de falar telejornalístico

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O livro A fala telejornalística do século XXI: mudança, estilo e norma, de Gabriel Catani, é um dos recentes lançamentos da Asa da Palavra, editora-escola do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (IEL/Unicamp). Gerada a partir de um estudo sociolinguístico variacionista de 50 edições do Jornal Nacional, a obra resultou em uma monografia premiada no VI Concurso de Monografias do IEL em 2020.

 

O autor analisou especificamente o modo de falar de William Bonner, âncora do Jornal Nacional, partindo da ideia, comumente disseminada, de que o jornalista falaria o português em sua forma mais pura e correta, livre de sotaque ou regionalismo. Catani mostra, com seu estudo, que o modo de falar de Bonner foi conscientemente fabricado a partir de uma mistura de pronúncias das principais capitais do país, o que daria a falsa impressão de não haver sotaque algum.

 

Entrevistamos Gabriel Catani, que nos falou sobre seu estudo e sobre como foi o processo de transformá-lo em livro.

 

Asa da Palavra: Como surgiu a ideia de escrever sobre a fala telejornalística, particularmente, sobre o modo de falar de William Bonner, âncora do Jornal Nacional?

 

Gabriel Catani: Meu interesse mais amplo era entender melhor como a fala midiática muda e como ela influencia e é influenciada pela fala das pessoas comuns, no cotidiano. A influência da mídia na fala é uma coisa difícil de quantificar, então um primeiro passo foi fazer o outro percurso, vendo como a variação e mudanças comuns no dia-a-dia afetam a fala telejornalística. Já em relação ao estudo da variação estilística, ou seja, na fala de um único sujeito, eu achei que esse seria um ambiente adequado para explorar essa dimensão, considerando os estudos da área.

 

Asa da Palavra: Em uma parte do livro, você escreve: “o que é tido como forma padrão da fala parece estar mais próximo de se referir a um conjunto de formas linguísticas variáveis aceitas e vistas, em determinado momento, como corretas, do que de um conjunto de pronúncias e construções invariáveis e invulneráveis ao tempo”. Como isso se relaciona com a forma de falar em um telejornal, que é roteirizado previamente?

 

Gabriel Catani: Apesar de haver uma tendência de maior atenção à fala durante as tarefas de leitura, os textos jornalísticos não se enquadram bem numa leitura tradicional, já que eles são escritos para serem lidos em voz alta, muitas vezes escritos por quem irá ler. Além disso, por ser o ofício dos apresentadores, eles já estão bem acostumados com esse tipo de prática, tendo passado por treinamentos e consultorias sobre o uso da voz, diferentemente da maior parte das pessoas. Eu acredito que a roteirização do jornal tem mais impacto no conteúdo e talvez nas palavras utilizadas do que na forma como elas são pronunciadas. O que eu sugiro nesse trecho é que existe variação e mudança mesmo na chamada fala padrão, não há um padrão absoluto e imutável. Um exemplo semelhante que foi mais bem estudado é o do padrão britânico chamado de “Received Pronunciation”, que tem sido influenciado por variantes populares, como o cockney.

 

Asa da Palavra: Qual a diferença entre trabalhar com um corpus previamente gravado, como é o caso dos telejornais, e de trabalhar com entrevistas sociolinguísticas, além do fato de eles não terem sido produzidos para fins de estudo?

 

Gabriel Catani: As principais diferenças decorrem dessa que você falou. Pelo pesquisador não ter contato com os falantes, há menor controle sobre o material, não sendo possível, por exemplo, que o pesquisador proponha tarefas específicas ou mesmo garanta uma qualidade homogênea entre os áudios. Por outro lado, uma grande vantagem é justamente a ausência de intervenção direta do pesquisador, de modo que, mesmo que os dados não sejam originários de uma fala casual, eles ainda estão inseridos no seu contexto de ocorrência. São dados de situações reais, que acontecem a despeito do pesquisador.

 

Asa da Palavra: Você poderia nos explicar quais as diferenças entre fala vernácula e fala não-vernácula em relação aos processos que incidem sobre elas?

 

Gabriel Catani: Esse é um objeto de bastante discussão na área da Sociolinguística, a fala vernácula, do cotidiano, era inicialmente vista como o lugar ideal para se investigar a linguagem. Pela fala ali não estar afetada pelo monitoramento do falante, ela era considerada mais regular e sistemática. Enquanto os estudos da língua vernácula são importantes, é sempre complicado garantir que a fala estudada é completamente casual, já que frequentemente adotamos posturas diferentes em situações diversas. Se pensarmos que os processos sociais que incidem sobre a fala não-vernácula também são sistemáticos, não há motivos para descartar todo um universo de fala não casual. A gente tem, assim, a oportunidade de analisar outra dimensão desse fenômeno, em momentos de comunicação pública, por exemplo, enriquecendo nossos conhecimentos acerca da linguagem e seus usos como um todo. Inúmeros processos ocorrem em ambas as falas, a diferença é que a língua não-vernácula, em tese, estaria sujeita a mais processos de ordem social que poderiam complicar as análises e a interpretação dos resultados. Na prática, ambos objetos apresentam suas complexidades.

 

Asa da Palavra: Assim como houve mudança na forma de falar do âncora estudado ao longo dos anos, há também uma mudança na nossa forma de falar que seja comparável ao processo estudado?

 

Gabriel Catani: As línguas não são fixas, no geral elas estão sempre em processo de mudança. Às vezes em ritmos diferentes ou em partes diferentes. As mudanças na fala midiática certamente estão associadas a mudanças na fala das pessoas e a novos significados que vão se estabelecendo sobre formas antigas, junto com o estabelecimento de novas formas. Nossa fala não foge disso. Com o passar do tempo, a língua muda na sociedade e nós mudamos com ela.

 

Asa da Palavra: Você pode concluir que o projeto de mudança do modo de falar no telejornal tenha alcançado seu objetivo? Quais fatores indicariam isso?

 

Gabriel Catani: É difícil dizer ao certo se os projetos internos do jornal foram bem-sucedidos ou não. No que diz respeito aos usos linguísticos do jornal, os dados indicam que houve convergência à fala popular, o que pode ser associado a uma guinada em direção a essa fala “mais conversada”. Ao mesmo tempo, a fala popular também não é estável, então na medida em que o jornal se aproxima do que acreditam ser a fala popular, a fala popular já pode estar diferente, talvez até por influência do jornal em si. Acho que a tendência é que a fala casual mantenha uma certa distância da fala mais formal, independentemente das formas usadas. Essa riqueza linguística reflete a complexidade social.

 

Asa da Palavra: Como foi a experiência de ser editado e de dar uma cara de livro à sua monografia?

 

Gabriel Catani: Acho que esse tipo de iniciativa é muito interessante e valoriza o trabalho dos estudantes de graduação, que muitas vezes poderia acabar perdido em algum repositório. É, além de tudo, um incentivo para que os estudantes prossigam na carreira acadêmica, que pode ser de difícil inserção. A publicação da monografia, certamente, traz reconhecimento para o nosso trabalho. Nesse sentido, deixo meus agradecimentos ao IEL e a todos que possibilitaram não só essa publicação, mas o desenvolvimento da monografia em si.

A fala telejornalística do século XXI: mudança, estilo e norma está disponível para download gratuito no site da Asa da Palavra: https://publicacoes.iel.unicamp.br/a-fala-telejornalistica-do-seculo-xxi-mudanca-estilo-e-norma/

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