Raquel Duarte Hadler
Orientador(a): Sírio Possenti
Doutorado em Linguística - 2025
Nro. chamada: TESE - H117d
Resumo: Vivemos no tempo histórico em que mais se produz conhecimento, tecnologias, acesso a informações, possibilidades de conexões entre as pessoas, mas estamos apreendendo a lidar com as consequências de tudo isso. Somos uma sociedade atordoada e não por acaso cresce, no Brasil e no mundo, doenças e síndromes relacionadas à saúde mental, como ansiedade, depressão, stress, burnout, dentre outras. Como forma de combate, observamos o aumento de discursos sobre a importância de se adotar uma vida saudável, que priorize práticas que estimulem a saúde mental e o autocuidado. Alguns autores alertam sobre como o modus operandi do atual contexto sócio-histórico afeta nossa capacidade de pensar e de elaborarmos a nós mesmos, sugerindo que essa capacidade, que nos constitui como ser humano, está sendo esvaziada. Esse alerta me fez retomar o conceito de “cuidado de si”, elaborado por Michel Foucault a partir de estudos sobre práticas realizadas na Grécia Antiga, que envolve processos de constituição do que hoje entendemos como subjetividade e que pode ser compreendido como uma “prática de autoformação do sujeito” (1984, p. 265), para que este se constitua enquanto ente ativo, apto a praticar a liberdade individual de forma ética. No entanto, no contexto contemporâneo somos atravessados pela lógica sociocultural capitalista, impulsionada pelo consumo midiático, o que faz com que muitas práticas de cuidado de si tornem-se um investimento pessoal, como um capital passível de acarretar visibilidade ao sujeito. Logo, questiono em que medida esses discursos se apresentam como uma perspectiva para que o sujeito exerça, dentro de suas possibilidades de agir, a sua autonomia relativa por meio das práticas de cuidado de si. Assim, a partir do suporte teórico e metodológico da Análise do Discurso de linha francesa, o corpus desta pesquisa foi estruturado como uma Formação Discursiva temática, constituída por enunciados sobre práticas de cuidado de si na contemporaneidade que instiguem nos sujeitos um processo reflexivo e o seu exercício sinalize, frente a diversas outras práticas e atividades disponíveis, uma escolha de conduta do praticante. Isso revela, de algum modo, uma busca para “sair do automático”, o que pode promover um deslocamento do sujeito e ocasionar a sua agência (Marignier, 2020). Esse corpus foi composto por enunciados que circulam na internet, cuja busca foi iniciada no Google e direcionada para mídias sociais, mais especificamente para as plataformas Facebook, Instagram, TikTok e YouTube, buscas que mostraram a presença do discurso em questão em diferentes ambientes digitais e suas marcas discursivas, como a que nomeei de contrafluxo. Para aprofundar a análise discursiva, foram selecionados nove canais no YouTube, como um recorte do corpus, para mobilizar a cena da enunciação, o ethos, estereótipos e marcas enunciativas para analisar a produção de sentidos, de relações de força e, consequentemente, de subjetividades. Foi possível observar capturas desse discurso pela lógica sociocultural capitalista, como também aberturas para questionamentos, reflexões e até agenciamentos como um posicionamento ético do sujeito, o que mostra a constituição de uma porosidade discursiva, cuja densidade varia de acordo com a intensidade de outros encontros discursivos.
Palavras-chave: Cuidado de si; Discurso; Subjetividade; Internet; Contemporaneidade


