

O Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp recebeu em 12 de outubro uma intervenção artística em seu banheiro multigênero, uma iniciativa do Centro Acadêmico da Linguagem (CAL) executada pela artista visual Vida do Valle Canova, recém-formada em Estudos Literários pelo IEL. A ideia surgiu como uma resposta direta às pichações de teor preconceituoso que ocorreram no espaço após sua inauguração, buscando reativar o ambiente de forma política e sinalizar seu uso consciente pela comunidade.
A proposta, apresentada pelo CAL em maio de 2025, tinha como objetivo a ocupação simbólica do banheiro, visando democratizar o acesso e demarcar o posicionamento do Centro Acadêmico contra as violências silenciosas dirigidas a pessoas transexuais, indígenas, negras e não-bináries no campus. A necessidade da intervenção foi motivada pela insegurança manifestada por estudantes em frequentar o local, devido à presença de pichações racistas, misóginas e transfóbicas.
A pintura de Vida do Valle Canova é inspirada em Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, e propõe uma reflexão sobre a presença de corpos diversos na literatura e na contemporaneidade. A escolha do tema é uma homenagem à última disciplina cursada pela artista no IEL e busca equilibrar o canônico ao reconhecimento de que “o desviante também é matéria do literário, da alta expressão da literatura”.
O ponto central da obra é Diadorim, personagem do romance que, segundo Vida, “transcende todas as categorias de gênero possíveis”. A artista buscou na figura de Diadorim a polivalência e a simultaneidade contraditória – conceito freudiano discutido em sua última disciplina – celebrando a complexidade do ser e a presença de corpos trans na arte e no pensamento.
A pintura reúne elementos visuais inspirados na obra. Guimarães Rosa é representado com chapéu de jagunço, simbolizando Diadorim e unindo o criador à sua criatura. A cobra urutu simboliza Riobaldo, que passou a ser conhecido como Urutu Branco, parceiro e observador de Diadorim. Os diabinhos, inspirados nos mapas feitos por Poty Lazzarotto para a segunda edição da obra (1958), representam o “redemunho” e a dimensão do monstruoso. Vida explica:
Essa dimensão do monstruoso, do abjeto, do demoníaco como uma assombração constante da mente, é útil pra se pensar hoje. Foi um encontro fortuito de uma obra que eu gosto e de um movimento que eu acho que é importante hoje, os banheiros multigêneros ou neutros. É importante para sinalizar que esses espaços são politicamente vivos, que eles não estão lá como mais um banheiro, mas como um anti-banheiro.
Para Vida, deixar essa marca no IEL, lugar de sua formação, foi um ato de significado pessoal e político. Assim, a obra não visa impedir manifestações, mas convidar ao uso e à reflexão sobre o espaço. “É uma maneira de dialogar com uma nova distribuição dos corpos no espaço”, afirma Vida, expressando o desejo de que, futuramente, haja simplesmente “um banheiro e ponto”.

