Jorge de Sena no Brasil



    1959, dada a sua posição política e o seu envolvimento num gorado golpe de Estado, Jorge de Sena viu-se obrigado a sair de Portugal. Como havia sido convidado, em agosto do mesmo ano, para o IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, pela Universidade da Bahia, aproveitou então o pretexto para se exilar voluntariamente. No Brasil, aceitou ficar como catedrático contratado de Teoria da Literatura, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, SP, experiência de nova estrutura universitária do governo paulista. No mesmo ano, iniciou uma longa colaboração no jornal O Estado de São Paulo, que durante anos mantém regularmente, como responsável pela seção "Letras Portuguesas". Colaborou também no Portugal Democrático, a cujo conselho de redação pertenceu por três anos. Com Alceu Amoroso Lima e Roberto Alvim Corrêa, dirigiu a coleção "Nossos Clássicos", da Livraria Agir Editora. Em 1961, transferiu-se para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, pertencente ao mesmo sistema universitário, como catedrático contratado de Literatura Portuguesa, cargo de que se licenciou em outubro de 1965 para partir para os Estados Unidos, e de que pediu demissão em 1967. No Brasil deu cursos ou conferências em diversas universidades: Rio de Janeiro, Recife, Ceará, Minas Gerais, Bahia, etc., e fez parte da comissão do Ministério da Educação Nacional, que propôs a reformulação dos currículos superiores de Letras. Na Universidade de São Paulo, foi membro de várias bancas de doutoramento, livre-docência e cátedra. Teve bolsas do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, para as suas investigações camonianas. Em 1964, após numerosas dificuldades burocráticas ou outras, Sena conseguiu defender tese de livre-docência em Literatura Portuguesa. A tese O Soneto de Camões e o Soneto Quinhentista Peninsular foi julgada por Ayres da Matta Machado Filho, Antônio Soares Amora, Hélio Simões, José Carlos Lisboa e Antonio Candido, e o título acadêmico lhe foi concedido "com distinção e louvor".


   A primeira impressão que teve da cidade foi de um pequeno povoado em que as ruas geometricamente traçadas se perdiam no campo e telhados vermelhos de casas baixas surgiam de entre o arvoredo. O aviãozinho deu uma volta sobre a cidade, antes de pousar. A sensação de comovida euforia, que lhe pusera nos olhos que desciam do alto sobre o amarelo avermelhado da paisagem uma humildade de ternura, cedeu um pouco, quando os olhos procuraram a gare do aeroporto e encontraram só uma barraquinha de madeira, para a qual o avião se dirigia. Mas tudo foi esquecido na decisão, que já tomara, de aceitar o convite, e na cortesia atenciosa dos futuros colegas, nas manifestações de cordialidade dos alunos.
   [...]

   [...] a América fora para ele a Terra da Promissão, da liberdade ainda que precária, de uma hispanidade levada ao patrioteirismo repugnante de uma pátria ensimesmada, pela malícia de um fascismo de nação decadente, na contemplação narcísica das passadas glórias; fora, sem dúvida, a imagem daquilo que não se encontra nunca, porque o veneno peninsular é pervasivo e subtil na sua grosseria ostentosa, mas que, não se encontrando, não é todavia em nós mesmos que se não encontra. A chegada, com o tumulto arrebanhado de um numeroso congresso que é sempre um pequeno mundo ilusório, feito dos abraços efusivos de antigos conhecimentos vagos que se tornam amigos de infância (durante uma semana) da vaidade das apresentações sempre encarecedoras e das intervenções em plenário, das mesuras generosas para quem, [...]

JORGE DE SENA, Fragmento de Os Corvos de Minerva.


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